Percy Jackson & os Olimpianos: Quando adaptações cinematográficas não agradam o público
- Grupo Audiovisual
- 23 de out. de 2019
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O semideus grego mais famoso da atualidade, — engana-se quem cogita Herácles ou Teseu —, não utiliza elmos, couraças ou quaisquer vestimenta imponente a qual possamos imaginar. Contrariando todas as expectativas, um adolescente disléxico e hiperativo a portar uma simples caneta esferográfica, trata-se do semideus mais rememorado pelo público infanto-juvenil e responsável pela nova roupagem estabelecida à Mitologia Grega, nas culturas pop.
Perseu Jackson, alcunha verdadeira do personagem principal da série literária de ficção fantástica Percy Jackson & os Olimpianos, fora desenvolvido por Rick Riordan e rendeu-lhe diversos prêmios literários. Detentora de fama colossal, mais de 50 milhões de cópias foram vendidas em diversos países, e, de maio de 2007 até outubro de 2013, a série esteve entre as mais vendidas na lista do The New York Times. Tal sucesso estrondoso, posicionou os livros enquanto alguns dos mais vendidos em toda a história.
Em tempos de fandoms e narrativas co-produzidas entre detentores de direitos autorais e o público-alvo, Percy Jackson & os Olimpianos rapidamente fomentara uma sub-cultura a emergir no escopo da literatura infanto-juvenil. Seus fãs, organizaram-se em fóruns, grupos em redes digitais, sites específicos e desenvolveram uma mitologia em torno de si mesmos e de indivíduos os quais destacaram-se na comunidade (tal a ilustradora Viria, famosa por produzir fanarts mundialmente aclamadas pelos fãs, as quais chegaram ao conhecimento do próprio Rick Riordan e, posteriormente, tornaram-se as novas ilustrações oficiais da série).
Imergindo em um ideal de inteligência coletiva, os fãs intitularam-se semideuses, classificando-se a si mesmos enquanto filhos de Zeus, Poseidon, Hades e demais divindades do panteão greco-romano. Produções de fan fictions, fan videos e role plays, tornaram-se proeminentes, e trouxeram a comunidade para territórios cada vez mais geográficos. Os encontros de fãs e eventos em todo o globo, evoluíram para a fundação temporária de variados acampamentos de férias similares ao Camp Half-Blood, em diversos países.
Um fenômeno de proporções tão abrangentes, atraiu subitamente o interesse da indústria cinematográfica. Em 2004, a 20th Century Fox adquiriu os direitos da série e estreou a primeira adaptação cinematográfica em 12 de fevereiro de 2010, seguindo-se da continuação estreada em 16 de agosto de 2013. Com Percy Jackson & the Olympians: The Lightning Thief e Percy Jackson & the Olympians: The Sea of Monsters, sendo o primeiro dirigido e o segundo produzido por Chris Columbus, mesmo diretor de Harry Potter and the Chamber of Secrets, a promessa por adaptações memoráveis e uma empreitada transmidiática bem-sucedida, ruiu tal as colunas do templo de Atenas.
Para elucidar brevemente tal fenômeno, ninguém melhor do que o mago (Ups...! Evitemos os termos atribuídos ao fandom de Harry Potter, sim?) dos estudos de fã e meios de comunicação, Henry Jenkins. Como bem citado por ele em sua obra Convergence Culture (2009), — em tradução livre, Cultura da Convergência —, as noções de consumidor enquanto espectador passivo nos meios de comunicação, atualizaram-se. Ao passo de que os papéis que outrora aparentavam ser polarizados, interagem em novas reconfigurações, a atuação auto-organizada dos fãs torna-se vigente. Se no passado, somente sentávamos em confortáveis poltronas ante à tela cinematográfica e aguardávamos pela exibição de uma narrativa pré-estruturada por específicos produtores audiovisuais, no cenário atual, as interações sociais mediadas pelas mídias e redes digitais, convergem em uma hiper-participação do público na produção do conteúdo o qual consome.
O fandom de Percy Jackson & os Olimpianos, era reconhecido por sua ativa participação e contato horizontal para com o autor da série. Rick Riordan, através das redes digitais, sempre estabelecera uma relação dialética para com os fãs. Porém, o mesmo não ocorria em relação à 20th Century Fox. Estabelecendo uma postura rígida em relação aos anseios do fandom, tal diria Henry Jenkins (2009), a Fox simplesmente “reagiu à esses recém-poderosos consumidores de forma contraditória, resistindo ao que considera um comportamento renegado”. Deste modo, desconsiderando indicações dos fãs e do próprio autor da série, os roteiros tornaram-se completamente divergentes da narrativa original e imensas falhas de ordem cronológica, etária e discursiva em relação à história, culminaram na recepção medíocre de ambos os filmes por parte da crítica e, principalmente, do fandom.
As estratégias de marketing e direcionamento utilizadas na promoção da série literária, foram imensamente efetivas e promissoras, edificando uma fan base sólida, ativa e adepta da economia afetiva. Marcas de vestuário, acessórios, versões graphic novel, séries derivadas e até mesmo action figures, serviram à estruturação de todo um mercado em torno da narrativa, o qual, retroalimenta-se até a atualidade. Contudo, o péssimo investimento em interesses da recepção e descaso comercial, conduziram as adaptações cinematográficas ao ostracismo absoluto. Concebidos tais uma verdadeira maldição dos deuses na trajetória da série, os filmes tornaram-se alvo de severas críticas, boicotes e desapontamentos. Entretanto, o fandom permanece, incessante, em busca de novas adaptações e possibilidades de interação horizontal para com os gigantes do audiovisual.
Desta forma, percebe-se a influência dos consumidores enquanto artefato imprescindível ao surgimento de uma recepção favorável e posterior sucesso comercial. O público atual, interpela-se continuamente entre os produtores de sentido e as narrativas alternativas, intencionando em construir sua própria significação e anseios em relação ao produto. Na era da convergência, os indivíduos desejam tornar-se agentes ativos na produção, influência e distribuição das obras as quais consomem. Parafraseando Jenkins (2009): “O público, que ganhou poder com as novas tecnologias, que está ocupando um espaço de intersecção entre os velhos e os novos meios de comunicação, está exigindo o direito de participar intimamente da cultura. Produtores que não conseguirem fazer as pazes com a nova cultura participativa enfrentarão uma clientela declinante e a diminuição dos lucros. As contendas e as conciliações resultantes irão redefinir a cultura pública do futuro”.

Se, em algum futuro longínquo, os nossos semideuses obterão representações cinematográficas dignas, somente o Oráculo de Delfos poderá revelar-nos. Após os direitos autorais terem sido adquiridos pela Disney, resta-nos somente entoar preces à Apolo e almejar que um(a) filho(a) de Zeus — o(a) qual de preferência tenha lido o Convergence Culture —, decida salvar-nos.
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